DESAFIO AO GALO EWA

Criado pela TV Record em 1972, o “Desafio ao Galo” foi atração ao vivo nas manhãs de domingo por cerca de duas décadas. A ideia era difundir o futebol varzeano, criando um campeonato televisionado em que times formados em bairros ou até em empresas pudessem competir entre si e revelar craques que poderiam estar escondidos nas agremiações amadoras. Foi extinto em 1996 e em 2019 o torneio varzeano voltou a entrar em cena na TV Gazeta, mas não vingou com o mesmo charme das décadas passadas.

Para quem não conhece, o “Desafio ao Galo” foi criado pela TV Record no início da década de 1970, tendo Nílton Travesso e Antônio Augusto Amaral de Carvalho (o Tuta) como seus idealizadores. A produção ficou por conta de Salvador Trédice e a Coordenação Geral do jornalista Elias Skaf, fundadores do projeto esportivo. Sempre com Samuel Ferro como repórter, o saudoso espetáculo das manhãs de sábados e domingos teve também Raul Tabajara, Joseval Peixoto e Estevam Sangirardi como narradores, entre outros.

Joseval Peixoto, futuro âncora do SBT Brasil, foi um dos narradores do torneio. "Eu sempre brincava que o Desafio ao Galo juntava os jogadores iniciantes aos veteranos que estavam encerrando a carreira. Na locução, ele também seguia essa regra", diz ele.

A competição tinha algumas peculiaridades, a começar pelo nome, que vem de uma expressão derivada do boxe: para se manter no posto de “galo”, o time precisava a cada nova partida ganhar do adversário, pois, em caso de derrota, o novo vencedor é que começava a ser desafiado. 

Em 1973 foi criado campeão Super Galo. Nele, os times com mais vitórias no ano disputariam um playoff no ano seguinte, em partidas únicas até a grande final, onde o vencedor seria o Super Galo. A primeira edição foi disputada no início de 1974 com os melhores times de 1973 e foi vencida pelo C.A. Parque da Mooca.

As partidas eram disputadas, a princípio, na Rua Javari, casa do Juventus, e depois passaram a ser no CMTC Clube, no Pari, e no campo da União dos Operários, na Vila Maria, ambos na zona norte de São Paulo. O estilo irreverente e competitivo do campeonato logo caiu no gosto dos paulistanos, que começaram a lotar as arquibancadas do estádio na zona norte de São Paulo. Caravanas eram formadas por dezenas de ônibus e rumavam para apoiar seus bairros.

No Desafio alguns velhos craques ainda mostravam sua técnica exibindo sua fama para milhares de torcedores que os viam pela tevê e que também lotavam o estádio do CMTC Clube. O torneio contou com craques que se aposentaram ou tiveram carreiras interrompidas por lesões. No “Desafio ao Galo” jogaram Serginho Chulapa (ex-Santos, São Paulo e Seleção Brasileira), Murici Ramalho e Valdir Perez (ex-São Paulo), Neto e Wladimir (ex-Corinthians), Gerson Caçapa e Edu Bala (ex-Palmeiras) e Paulo César Caju (ex-Botafogo e Seleção), dentre vários outros.

Além de jogadores aposentados, também passaram pela competição grandes futuros craques do futebol profissional como, Paulinho McLaren, Cafu, César Sampaio, Viola, Casagrande, Denílson, Juninho Paulista e outros.

Participavam equipes de clubes de futebol amador e também de empresas, algumas quase imbatíveis, como a do Parque da Mooca, do Atlas e da SDR.

Dificilmente um clube da várzea fará tanto sucesso como fez o C. A. Parque da Mooca. Fundado em 1924 por um grupo de amigos na zona leste paulistana, a agremiação dominou o Desafio ao Galo durante dois anos, vencendo as edições de 1974 e 1975. A invencibilidade foi interrompida em 1975 após a derrota por 2 a 0 para o Vila Maria F.C., pondo fim ao maior reinado consecutivo de toda a história do Desafio, 26 rodadas. A supremacia no futebol amador foi tamanha que o clube decidiu se aventurar no profissional e chegou a ser convidada a enfrentar o River Plate, na Argentina, em um amistoso internacional.

Na década de 1980, o torneio se tornou um dos mais importantes e prestigiados eventos do futebol de várzea do Brasil. Todo domingo às 10h da manhã, era realizada e transmitida uma partida ao vivo pela TV Record. Durante o intervalo desta partida era realizado um sorteio que selecionava o desafiante do time vencedor. Vencer outros campeonatos amadores era um pré-requisito para participar do sorteio e as vagas eram bastante disputadas. Em 1983 a Placar citou que havia aproximadamente 800 equipes aguardando serem sorteadas para poder jogar.

Em 1973 o pessoal da Editora Abril montou um time e se inscreveu no torneio. Jogaram contra o Rigesa, que vinha de seis vitórias e empataram em 1x1, perdendo apenas nos pênaltis. O zagueirão Jacaré, da Seleção da Abril, levou o prêmio de melhor jogador da partida. [revista Placar n. 181, de 31 de agosto de 1973.]

Elias Skaf se lembra de uma final do Super Galo, quando um time descobriu onde o outro estava se concentrando e contratou umas garotas de programa para os jogadores adversários. A noite fez diferença (risos). Uma outra vez houve uma briga generalizada no campo, a ponto de torcedores invadirem. Aí um torcedor que era realmente muito forte desferiu um soco e acabou acertando em cheio um cavalo da polícia. Caíram o cavalo e o policial juntos. 

Joseval Peixoto se lembra de uma vez que foi "traído" por uma brincadeira de mau gosto: A gente estava no ar e uma pessoa disse: "Pô, Joseval, morreu um cara que era aqui do time, fala para o juiz fazer um minuto de silêncio". A gente falou, ele fez um minuto de silêncio e logo depois, veio outra pessoa à beira do campo para dizer: "Ô, seu vagabundo, eu não morri não!" (risos)

Em 1976 um time de veteranos vinha ganhando fama nacional e chegou a disputar uma partida no Desafio ao Galo. O nome do time era Milionários, dê uma olhada na escalação: Orlando, Djalma Santos, Belini, Orlando Peçanha e Nilton Santos; Dudu e Afonsinho; Garrincha, Paulo Borges, Vavá e Pepe. Não se trata de homônimos nem apelidos, eram os próprios campeões mundiais em campo, sim. O time perdeu a sua partida, não voltou a participar do Desafio, mas continuou em excursão por alguns anos em todo o Brasil.

Uma verdadeira lenda do torneio foi o goleiro do Sítio Novo, de São José do Rio Pardo - SP, Francisco Fermino Alves, que ficou famoso como Chiquinho da Pata. Isso porque ao repor a bola em jogo durante uma partida, seu chute atravessou todo o campo, encobriu o goleiro adversário e estufou a rede do outro lado. Gol de goleiro!

Outra lembrança do narrador é um jogo em que o "Galo" estava perdendo e, no último minuto, teve o seu goleiro expulso por cometer o pênalti e tiveram que improvisar o zagueiro no gol. O batedor do time que estava ganhando cobrou o pênalti na trave, a bola voltou para o meio de campo e um jogador do "Galo" empatou o jogo com um chute de longe. O curioso é que se o cobrador tivesse chutado pra fora, o seu time é que ganharia. 

Outra lenda diz que o atacante e posterior lateral Cafu já tinha feito vários testes em clubes paulista, porém sem sucesso, e quando jogou o Desafio do Galo pelo Piraporinha, um time da zona sul da cidade, o técnico Telê Santana o viu disputando a partida e o chamou para jogar no São Paulo. Isso aconteceu de fato, mas segundo a revista Placar, não foi com Cafu. Segundo a revista Placar n.º 379, de 29/07/1977, isso aconteceu no início daquela década com o meia Eudes, que veio de Lorena - SP, para disputar uma partida no Desafio e o Julinho, então técnico dos juvenis da Portuguesa o levou para o time. Anos depois, Eudes se tornou um dos titulares da Portuguesa e jogou a Olímpiada de 1976 pelo Brasil.

Mais um lenda, um jogador chamado Mossoró. Ele preferiu sair do Corinthians para continuar na várzea e participava do Desafio com frequência. O motivo era simples: No Corinthians ele era um reserva, mas na várzea ele era a grande estrela.

Na internet podemos ver fotos do Botafogo da Penha, que tinha Casagrande entre os titulares em 1979. Segundo o centroavante, ele participou duas vezes do Desafio e deixou de jogar nos clubes amadores a pedido Corinthians devido a conflitos na agenda do time. 

Voltando a falar da competição, tivemos uma surpresa em 1988. O S.E.U.R. Peraltas, da cidade de Amparo, no interior do estado de São Paulo, foi o único time do interior a conquistar o “Super Galo.” Bidé, goleiro da equipe campeã da competição daquele ano, relembra daquela conquista com muita emoção no olhar. Ele também explicou que não era tão simples chegar até a final; “Funcionava da seguinte forma, você precisava vencer 3 jogos no Desafio ao Galo para depois participar do Super Galo sendo jogos mata-mata, campeonato de altíssimo nível pois a maioria das equipes contavam com ex-jogadores profissionais.” 

Segundo Samuel Ferro, um dos motivos do sucesso era a falta de concorrência. "Nos primeiros 20 anos do programa, a várzea era muito forte. Nós dávamos vida a isso. Havia pouco futebol ao vivo na televisão. As TVs costumavam passar os video-tapes à noite. Éramos só nós que fazíamos (ao vivo) praticamente."

Em 1996, Joseval Peixoto foi citado na revista Placar, na sessão de as frases do mês: "Do jeito que os jogadores estão batendo, se o Mike Tyson escapar da prisão ele vem aqui e apanha." do locutor Joseval Peixoto, sobra a violência no jogo Indeplast 0x1 Folha Verde.

Além dos já citados Parque da Mooca, Centro da Coroa, SDR e Peraltas, outros clubes de destaque foram o Rigesa de Valinhos, o Aliança Clube de São Bernardo, o Montepino de Itaquera, o A.A. Macedo de Guarulhos e o Moleque Travesso da Vila Guarani, entre outros.

O torneio teve seu fim em 1996, quando já não fazia tanto sucesso de público nem de audiência, naquela época transmitido pela TV Gazeta. Neste ano, a cervejaria Kaiser, então patrocinadora master e que também custeava a Copa Kaiser, reviu seus investimentos e retirou o apoio ao torneio. Sem dinheiro, o Desafio ao Galo parou de ser transmitido e também deixou de ser realizado.

Após um hiato de 22 anos, em 2018 Joseval Peixoto procurou o jornalista e apresentador da TV Gazeta, Flávio Prado, e apresentou um projeto trazendo a volta do “Desafio ao Galo”. A direção da emissora abraçou a ideia e voltou com o torneio. Com o Estádio Olímpico do Ibirapuera como palco principal, o formato da competição segue o mesmo. Na primeira partida, duas equipes se enfrentariam para decidir quem será o “Galo”, ou seja, o melhor time da várzea. O vencedor se tornaria o “campeão” e seria desafiado por outras equipes selecionadas em sorteio. Ao término da temporada, os times com melhor desempenho fazem a final, apelidada de Super Galo.

O retorno se deu em 14 de abril de 2019, com transmissão da TV Gazeta, já sob o comando de Joseval Peixoto e sua nova equipe, tendo o primeiro confronto entre o Barranco da Esquina, de Osasco, e o Gardenais, de Carapicuíba. Infelizmente, sem conquistar a simpatia de antes, durou apenas três meses na grade da TV Gazeta e em julho de 2019 deixou de ser televisionada pelo canal e foi assumida pela Rede Brasil de Televisão – ainda sob os comandos de Joseval, tendo neste período o clube EC Napoli, da Vila Industrial, como um dos times de maior destaque. Em 2020, sem conseguir grandes parceiros, o projeto foi encerrado.

Mais tarde, o próprio Joseval Peixoto acabou desabafando com os criadores do Wikigalo. Para ele, o espírito de amor aos clubes foi deixado de lado, abrindo espaço para uma relação mais profissional com o futebol de várzea. "A gente teve uma experiência que não foi o que a gente imaginava. A várzea mudou muito. Antigamente, o jogador amava o Estrela da Saúde, o Estrela da Vila Santa Catarina, o Botafogo de Guaianases, o Parque da Mooca. Hoje não, o jogador cobra para jogar."

Infelizmente, devido a ausência de registros oficiais da época, não há uma relação clara de todos os campeões do torneio. Encontramos alguns vídeos de época, algumas matérias saudosistas, mas nada da  relação dos campeões. Acreditamos que, devido ao amadorismo da época e a ausência de registros por parte dos organizadores, talvez nunca veremos essa relação completa.

Com muita sorte, achei uma pequena relação de campeões na revista Placar n. 665 (de 18/02/1983). Segundo consta na página 54 da publicação, os campeões do Super Galo até aquele ano foram:

1973/74 Parque da Mooca
1974/75 Parque da Mooca
1975/76 Aliança (São Bernarndo do Campo)
1976/77 Atlas
1977/78 SDR
1978/79 Atlas
1979/80 Atlas
1980/81 Passarin (Jundiaí)
1981/82 SDR
1982/83 Grêmio Sudeste - o Nacional A.C. disfarçado de clube amador

A própria Placar noticiou o título do Grêmio Sudeste / Nacional do Supergalo 1982/83, em um breve período em que as notícias do campeonato eram incluídas na revista por iniciativa de uma patrocinadora. Na época, o fato do tal Grêmio Sudeste jogar com todo o time profissional do Nacional foi amplamente divulgado e pegou muito mau, tanto para o time quanto para os organizadores do evento.

Note que, excluindo-se o início de 1983, raramente a revista Placar, que na época era semanal, citava os jogos do Desafio ao Galo e nas poucas vezes que o fazia, sempre dizia que o torneio era uma promoção da TV Record.

Após o Supergalo de 1982/83, as fontes voltam a rarear:

1983/84
1984/85
1985/86
1986/87 GR Inajar de Souza
1987/88 Peraltas (Amparo-SP)
1988/89
1989/90
1990/91 Estrela do Sul
1991/92 GR Inajar de Souza
1991/92
1992/93
1993/94
1994/95
1995/96

Os títulos do Inajar de Souza eu encontrei na página do próprio clube. O título do Peraltas eu encontrei no site Terceiro Tempo / Que Fim Levou e o título do Estrela do Sul, da Vila Santa Catarina, eu encontrei em uma matéria do jornal Folha de São Paulo de 25/02/1991.

É engraçado que, mesmo nesse período mais recente, a falta de registros permanece. É impossível encontrar uma lista, reportagem ou qualquer outro material com as fichas técnicas dos jogos de 2019.

Na verdade, o Desafio ao Galo não foi a maior competição de futebol amador do país, porém foi o único a ser televisionado por mais de 20 anos, o que proporcionava muito mais divulgação - daí todo o saudosismo em torno da competição. Ainda assim, o “Desafio ao Galo” é parte fundamental da história do futebol amador no estado de São Paulo. Muitas equipes de clubes de futebol amador e também de empresas participaram. Por mais de 20 anos foi um grande sucesso de audiência nas manhãs de domingo por tornar ainda mais popular o esporte mais popular do país.

Nossa versão será disputada no "campinho Guaraná" com equipes montadas em times Gulliver, Play Dream, Dodô e outros desse tipo, que lembram a infância de todos nós. Vamos montar apenas agremiações do futebol amador (como o Nove de Julho, por exemplo), as vezes com números marcados à caneta, goleiros de caixas de fósforo, e quem sabe até colar o adesivo de um time sobre outro, pra depois se arrepender... Igualzinho antigamente!

Nove de Julho, exemplo dos modelos utilizados

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